Monday, April 03, 2006

Não Pode

Quando eu era criança, queria crescer logo, virar adulta. Tinha idéias fantasiosas de que um adulto podia tudo, desde dormir na hora que bem entendesse até não precisar ir ao dentista. Parecia o supra-sumo da liberdade. Mas um dia fazemos 18 anos e a partir de então não podemos dirigir sem carteira, não podemos nos isentar de votar e não podemos permanecer solteiros.

Não podemos reagir aos assaltos. Não podemos falar ao celular no carro. Não podemos fazer sexo sem camisinha. Não podemos fumar, não podemos beber, não podemos odiar fazer exercícios físicos. Não podemos nos descuidar.

Não podemos ficar fora de moda. Nem seguí-la à risca. Não podemos sair à noite em segurança. Não podemos comer açúcar. Não podemos exagerar no sal. Não podemos atravessar fora da faixa de pedestre, não podemos ultrapassar a velocidade permitida, não podemos dar uma sumida.

Não podemos ficar tristes. Não podemos não falar inglês. Não podemos dizer mentiras. Não podemos dizer toda a verdade.

Não podemos negar um convite. Não podemos ser anti-sociais. Não podemos ser excessivamente honestos.

Quase todos os 10 mandamentos da igreja católica começam com não: não matarás, não roubarás, não cobiçarás a mulher do próximo, não pronunciarás o santo nome do Senhor em vão. Não.

E também não falarás com estranhos, não poderás ser gordo, não estacionarás em fila dupla, não dormirás fora sem avisar, não colocarás o dedo no nariz, não esquecerás o aniversário de namoro, não te estressarás, não farás barulho depois das 22h, não entrarás no banco com coisas metálicas nos bolsos, não tomarás banho de sol das 10h às 15h.

Não podemos falhar. Eis aí um convite irrecusável para a transgressão. *

E é isso que eu não quero. Esse pode ou não pode. Ou isso é permitido ou isso é proibido. Ou isso a sociedade aceita ou isso renega.

Quanto menos pode, mais a gente quer fazer e faz.
Se tudo pode, se tudo é permitido, a gente nem pensa em fazer nada demais.


* Jamais imaginei isso, mas sim, é um texto de Martha Medeiros.

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